Quando você vê a tua mãe e conversa com ela, você não vê um saco de pele, carne e ossos que fala, você vê uma pessoa importante para você que tem um nome, uma história, um vínculo afetivo, que se emociona, sente, que se articula para conviver com você e com as outras pessoas. Da mesma forma, quando você vai visitar uma amiga, ela tem um significado para você, ela existe para você e para todo mundo por meio do corpo dela. Quando você está na rua e vê inúmeras pessoas transitando, não são corpos estritamente biológicos, são corpos com inúmeros significados para você: um corpo tatuado pode significar para você que é uma pessoa descolada, um corpo coberto com uma blusinha fechada e uma saia cumprida até os tornozelos pode significar para você que é uma pessoa evangélica, um homem grande, robusto e de terno preto pode significar para você que é um segurança.
O corpo não é apenas um fato biológico, ele é também o efeito de uma construção sociocultural. No sentido biológico, nascemos com uma estrutura e organização pré-determinada por uma dada genética que está vinculada aos nossos antecedentes, mas é inserido em uma cultura que o corpo inteiro e cada parte dele ganha sentido.
Diante disso, um corpo gay é gay, porque ele é concebido dentro de um universo cultural próprio. Esse universo é dotado de características que designam ao corpo um tipo de comportamento, de vestimentas, de estética, de atitudes, de se comunicar, enfim, de gênero.
Quando um menino é afeminado logo dizem que ele é gay. Olha só que interessante, as pessoas atribuem a uma criança um significado por causa do jeito que ela gesticula e movimenta o seu corpo. Espera-se de um homem negro que ele seja dotado e ativo, justamente por causa do sentido que se atribuiu ao corpo do homem negro em nossa cultura colonial (racista, sexista, objetificadora). Outra situação, se um homem rebola, é gay. Se um homem tem pinta de agroboy, skatista, lutador, jogador de futebol, ele não é pensado objetivamente como um corpo gay.
Sobre esses tipos existem signos que os marcam como tal: barba, formato anatômico, roupas, tatuagens, trejeitos, atitudes, comportamentos, gostos, cor do cabelo e tamanho e corte, ou seja, a sua visualidade (e a visualidade acaba correspondendo a imagem da identidade da pessoa).
Partindo dessas considerações, vamos pensar o corpo gay. Assim, como qualquer outro corpo, ele é produzido. Sim, ele representa todos os efeitos da sua existência nos contextos em que se realiza. Homens gays produzem seus corpos para se inserirem em grupos, para viver experiências, para fazer a manutenção da sua saúde e bem-estar, para atrair desejos, para conquistar afetos, para fazer negócios, para obter privilégios, para manifestar etnia, para exercer poder.
Por isso, conseguimos observar circulando pela sociedade corpos mais próximos a um tipo padrão: barba, cabelo curto, músculos definidos, trejeitos mais robustos. Ou corpos que fogem ao padrão: gordos, magros, corpos vestidos com roupas do universo atribuído ao feminino, maquiagem, brincos, colares, sapatos de salto alto.
É importante ressaltar que os corpos gays são diversos e passam por processos diferentes de construção. Muitos homens gays produzem corpos musculosos frequentando academias e usando anabolizantes, alguns corpos passam por procedimentos estéticos, cirurgias plásticas, massagens modeladoras, clareamento dental, aparelhos ortodônticos, terapias variadas à base de tecnologias e produtos farmacológicos, outros são tatuados, maquiados, furados com piercings e por aí vai. Eu vou atribuir nomes a esses processos a fim de ilustrá-los.
Corpos instragramáveis produzidos para ficar apresentáveis em imagens, principalmente, em fotos. Corpos baladeiros produzidos para aguentar muitas horas de festas sem deixar a animação cair, inclusive com o uso de drogas recreativas. Corpos fashionistas produzidos para ostentar tendências e marcas. Corpos padrão e fora do padrão produzidos para marcar diferenças. Corpos marginais e marginalizados produzidos para fazer a manutenção de territórios sociais das cidades. Corpo como status social para garantir privilégios dentro de grupos. Corpo mercadoria para o mercado do sexo. Corpo idolatria produzidos para o lugar do desejo.
Todos esses corpos carregam sobre si signos: silhuetas, musculatura aparente ou não, vestimentas, tatuagens, maquiagens, alterações plásticas, trejeitos, atitudes, comportamentos, cor da pele, tamanho e corte do cabelo, barba, bigode, pelos ou não. Estes signos aproximam ou distanciam corpos a um tipo padrão ou outros tipos mais incomuns ou marginalizados.
Além disso, para o homem gay mostrar o corpo ou esconder o corpo tem finalidades diferentes, ora tem a ver com conseguir privilégios, ora tem a ver com evitar violências. Vale dizer também que o corpo é prazer e controle. Por fim, não vou me estender mais até porque nos próximos blogs eu exploro com mais detalhes estas últimas questões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Opine sempre.