sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Afetos, dores e amores

    Este blog, certamente, vai dar muito trabalho para ser escrito, porque as relações entre homens gays são bem complexas por inúmeros fatores. Bom, vou começar tratando da compreensão sobre o conceito de afeto e, para isso, um pouco da etimologia da palavra “afeto” vai nos ajudar.

    O termo afeto tem origem no latim AFFECTUS, um dos seus sentidos é “disposto, inclinado a, constituído”, atribuindo isso a nós, conseguimos perceber que há coisas que nos compõe e da mesma maneira nos dispõe. Sabe quando passamos a infância inteira em um lar acolhedor, amoroso, nesse tempo recebemos carinho, atenção. Isso no constitui e, por isso, estamos dispostos a fazer o mesmo pelos outros.

    Além disso, o termo afeto é a forma do particípio passado de AFFICERE, “fazer algo a alguém, usar, manejar, influir sobre”. Todas as experiências da nossa vida de alguma forma funcionam como um tipo de fator capaz de alterar nossa cognição (inteligência) e isso determina como nos relacionamos com o nosso eu, com os outros e com os ambientes de trabalho, de lazer, de educação etc. A partir disso, é preciso dizer que somos afetados constantemente em nossas relações com o outro e com o mundo e isso nos deixam marcas, às vezes dolorosas, às vezes, de amor.

    Tendo esclarecidos esses conceitos como ponto de partida, agora vamos aplicá-los à análise de relacionamentos afetivos e eróticos entre homens gays. Muitos estereótipos e preconceitos ainda persistem, contudo, é fundamental reconhecer a diversidade e a riqueza dessas relações. Neste momento, pretendo explorar a complexidade desses afetos, as dores que podem surgir e os amores que florescem nesse cenário.

    Desde quando saímos da barriga da nossa mãe, passamos a perceber o mundo de alguma forma e isso vai nos constituindo ao longo dos nossos vários anos de vida. No centro desse processo estão as nossas relações. Todas elas nos marcam e nos alteram de algum modo: cognitivamente, culturalmente, fisiologicamente de modo geral, que por sua vez, determinam nossas relações. Veja estamos falando de um encadeamento que reúne várias memórias de nossas vivências: circunstâncias de alegrias, encontros com amigos e familiares, trocas de carinhos, acolhimentos, aconchegos, mas também momentos de tristezas, vivência de exclusão, agressões, xingamentos, constrangimentos e por aí vai.


Os afetos além dos rótulos


    A sexualidade sozinha não define a capacidade de um indivíduo amar, desejar e criar vínculos afetivos. Os relacionamentos entre homens gays, como qualquer relação, são baseados em emoções profundas e conexões genuínas. Os afetos que surgem nesses relacionamentos são tão reais e valiosos quanto em qualquer outra dinâmica.

    É importante destacar que a comunidade LGBTQIA+ é diversa e cada indivíduo é único em suas experiências. Lembrando que estou tratando especialmente dos relacionamentos gays, os quais podem variar amplamente também, desde os casais monogâmicos tradicionais até as relações não-monogâmicas, abertas ou livres. A diversidade de experiências não deve ser ignorada, pois é uma parte fundamental da riqueza das relações entre homens gays.


As dores: enfrentando preconceitos e estigmas


    Apesar dos avanços na inclusão da comunidade LGBTQIA+ em muitas partes do mundo, os homens gays ainda enfrentam desafios significativos em seus relacionamentos. O estigma social, a homofobia e a discriminação podem gerar dores profundas. Muitos enfrentam a ansiedade de serem julgados e o medo de dar clareza a sua sexualidade no ambiente escolar, de trabalho, de lazer, de religiosidade, vivendo constantemente a dissimulação de comportamentos, opiniões, evitando a manifestação pública de carinho, evitando a livre expressão de seu gênero de modo geral.

    A sociedade - androcêntrica, machista, patriarcal - impõe normas e expectativas que, muitas vezes, restringem a livre expressão da identidade de gênero e orientação sexual de um homem gay. Em ambientes escolares, por exemplo, a pressão para se conformar aos padrões heteronormativos pode resultar em um ambiente hostil para aqueles que fogem a essas normas. A ansiedade de serem julgados e o medo de represálias podem forçar jovens a esconderem sua verdadeira identidade, levando a uma vivência constante de dissimulação.

    No mundo profissional, a dissimulação muitas vezes é uma estratégia adotada para evitar discriminação e preconceito. Homens gays podem sentir a necessidade de ocultar sua sexualidade ou identidade de gênero para garantir a aceitação e progresso em suas carreiras. No entanto, essa dissimulação pode ter um custo emocional significativo, levando a problemas no âmbito das emoções, como ansiedade e depressão.

    Mesmo em contextos de lazer e religiosos, a dissimulação pode se tornar uma parte intrínseca da vida de homens gays. A preocupação com a aceitação social pode impedir a manifestação autêntica de sua identidade em eventos sociais, encontros familiares e práticas religiosas. A dualidade entre a livre expressão de identidade e a persona pública pode criar um conflito interno constante.

    Aqui vale relacionar com o que eu já havia dito em outro momento, homens gays são impelidos a “se passar por hétero”, se enquadrar em tipos já preestabelecidos de relações, tipos esses hétero-centrados, normatizados pelo costume.

    A heteronormatividade é um conceito que descreve a suposição de que a heterossexualidade é a norma, enquanto outras sexualidades são vistas como desvios dessa norma. Esse paradigma social cria expectativas rígidas e, muitas vezes, irreais em torno do que é considerado aceitável em termos de relacionamentos e identidade de gênero. Homens gays, muitas vezes, se encontram pressionados a adotar comportamentos e relacionamentos que se assemelham aos padrões heterossexuais, a fim de se sentirem aceitos e integrados na sociedade.

    A pressão para "se passar por hétero" pode originar-se de várias fontes, incluindo familiares, amigos, colegas de trabalho e até mesmo do próprio indivíduo. O medo da rejeição e do estigma social pode levar alguns homens gays a cercear a sua livre expressão de identidade, adotando comportamentos e relações que mascaram sua orientação sexual. Esse fenômeno pode ser particularmente acentuado em comunidades onde as expectativas tradicionais de gênero são fortemente enraizadas, como cidades do interior, como famílias conservadoras, como grupos de amigos machistas.

    Essa adoção de uma fachada heterossexual, esse conflito interno entre a necessidade de autenticidade e o desejo de pertencimento social, essa negação da própria identidade pode ter profundas marcas no âmbito das emoções e dos relacionamentos para os homens gays, resultando negativamente em relacionamentos íntimos fragilizados, inseguros, superficiais, inconstantes e na produção de um indivíduo com baixa autoestima.

    Além disso, os relacionamentos gays podem ser impactados por questões específicas, como a pressão para atender a padrões de beleza inatingíveis ou as dificuldades que podem surgir ao lidar com a negação de familiares ou amigos. Essas dores, no entanto, não obscurecem a realidade de que o amor e a conexão são possíveis e significativos entre homens gays. Além disso, é crucial desafiar ativamente os estereótipos que limitam a expressão da sexualidade. A promoção da aceitação incondicional e da diversidade é um passo fundamental para criar uma sociedade mais inclusiva e respeitosa. Os esforços para desconstruir a heteronormatividade devem vir de todas as esferas da sociedade, incluindo educação, mídia e políticas públicas.


Os amores: celebrando os vínculos autênticos


    Os relacionamentos afetivos e eróticos entre homens gays, como qualquer outro, são cheios de amor, paixão e apoio mútuo. Muitas vezes, eles desafiam as normas de gênero tradicionais, permitindo que os parceiros expressem a sua afetividade de maneira única e sincera. Os casais gays e as suas variações, podem se apoiar em suas jornadas de autodescoberta, oferecendo compreensão e aceitação incondicional.

    Além disso, a comunidade LGBTQIA+ politicamente unida pode oferece uma rede de apoio fundamental. A solidariedade e a compreensão compartilhadas entre aqueles que compartilham experiências semelhantes fortalecem os relacionamentos e ajudam a enfrentar os desafios que surgem ao longo do caminho.


É preciso promover a inclusão e a paz


    Os relacionamentos afetivos e eróticos entre homens gays fazem parte da diversidade humana e devem ser celebrados e respeitados como tal. É essencial promover a inclusão, a igualdade e a paz, independentemente de qual seja a abordagem pessoal da sexualidade. Ao reconhecer a complexidade desses relacionamentos, podemos trabalhar para superar preconceitos e estigmas e criar um mundo mais inclusivo e amoroso para todos.

    É fundamental lembrar que, no final das contas, o amor e os afetos entre pessoas, independentemente da interpretação e condução da sua sexualidade, são o que há de mais humano e valioso. À medida que continuamos a progredir em direção a sociedades mais inclusivas e justas, devemos celebrar a diversidade de relacionamentos e amores que enriquecem nossas vidas e promovem a paz.

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