quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Identidades em construção e a subversão da lógica binária

    Até aqui eu explorei o problema do lugar de fala e antecipei uma noção geral sobre o conceito de gênero, tópicos importantíssimos para compreender este trabalho. Agora a minha intenção é ampliar a concepção do que é identidade, nesse rumo, eu penso que a primeira coisa a se fazer, quando esse é o assunto, é problematizar o senso comum a respeito do tema em pauta para desconstruí-lo. Desse modo, aí sim, podemos encaminhar um debate responsável sobre a questão em abordagem nesta parte. O segundo passo é ir por um caminho mais complicado, no entanto, esclarecedor, compreender como a lógica binária se relacionada com a construção das identidades.

    A noção comum que circula sobre identidade é que ela é única, imutável, que é uma entidade colocada em nós em um determinado momento, o qual não sabemos qual é, que perdura para toda a nossa vida, que existe uma essência em nós.

    Aí está o problema: basta olharmos com atenção para a nossa história, assim, descobriremos que não há essência, descobriremos que mudamos muito nesses anos que se passaram, que estamos continuamente em construção. Somos construídos em relação ao outro e em relação ao mundo, logo, não há uma essência e enquanto houver história de vida, haverá identidades em construção.

    Para ilustrar, vamos fazer um exercício bastante simples. Pare um instante e relembre os teus 10 anos de idade. Se esforce para lembrar bem quem você foi. Fez isso?

    Com este exercício, perceba:

  1. Existe uma grande dificuldade de você se lembrar exatamente quem você foi, porque aquela criança já não existe mais;
  2. O que ficou marcado em você foram as lembranças fantasiosas sobre si mesmo;
  3. A saudade, a nostalgia mostram o quanto você já não é mais aquela criança.

    E isso de forma alguma deve te assustar. Isso só prova algo incrível da vida: a efemeridade do tempo e a metamorfose do ego (eu/self).

    Stuart Hall, uma autoridade nesse tema, diz que se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte, é, simplesmente, porque construímos uma história confortável sobre nós mesmos ou uma "autonarrativa" reconfortante. Para ele, a identidade totalmente reconhecível, completa, segura e consistente é uma ilusão.

    Hall diz ainda que as identidades (pós)modernas estão sendo “descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas.

    A partir dos seus estudos, ele mostra que, desde o final do século 20, ocorre uma modificação estrutural que está transformando a sociedade (pós)moderna e o resultado disso é a divisão do cenário cultural de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado nos possibilitou uma posição menos variada como indivíduos na sociedade. Essas alterações também impactam nossas identidades pessoais, desestabilizando a nossa noção de nós mesmos como um sujeito completo. Essa perda de estabilidade de um "sentido de si", às vezes, é chamada de deslocamento ou descentração do sujeito.

    Hall ainda afirma que esse processo produz o sujeito (pós)moderno, o qual não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade se torna uma "celebração móvel": ela é constantemente formada e transformada em torno de como nos comportamos ou nos desafiamos no sistema cultural ao nosso redor. É definida historicamente e não biologicamente.

    Diante disso, chegamos à conclusão de que existem identidades contraditórias dentro de nós, movendo-se em direções diferentes, de modo que nossas identificações estão em deslocamento constante, pois, com o desenvolvimento de novas referências e outras representações culturais, nos deparamos com identidades possíveis e variadas e podemos, pelo menos temporariamente, nos identificar com cada uma delas.

    Outro aspecto importante a se refletir dentro desse assunto é a presença constante da lógica binária em nosso dia a dia. Preste atenção e perceba que somos, frequentemente, conduzidos a uma única possibilidade que é dupla: ou você é isto ou é aquilo.

    Funciona assim: quando nascemos alguém olha a nossa genitália (geralmente o médico) e determina: é homem ou mulher, determinando aí uma infinidade de outras características identitárias, todavia se esquece de levar em consideração que ainda não se construiu essa extensa história de vida que certamente mudará essa compreensão sobre aquele corpo que nasceu, porque o gênero e a sexualidade são partes da identidade e não toda ela.

    Por causa disso, somos forçados a aprender a ser homem e ser mulher dentro de um sistema sociocultural comumente binário, exemplo, mulheres usam saias, homens, não. Mulheres são emotivas, homens, jamais. Homens são fortes, mulheres, sensíveis. E nessa lógica, um não pode ser o outro, pois, masculino não se confunde com o feminino e vice-versa, no entanto, nos esquecemos que no espaço existente entre o ser homem e o ser mulher, há inúmeras outras formas de existir, podemos ser várias coisas ao mesmo tempo e deixar de ser. Vale ressaltar que se esse padrão binário é ensinado e aprendido, pode, então, ser desaprendido, debatido ou ressignificado de acordo com a singularidade de cada indivíduo, principalmente, quando esse padrão sustenta ou produz opressão, marginalização ou violências.

    Por fim, nós somos identidades em construção, enquanto houver história, seremos construídos em relação ao outro e ao mundo, dentro de um contexto social e cultural de regras, costumes, crenças, valores, ética, moral, concepções de vida tão distintas quanto a quantidade de gente no mundo atual e futuro, por isso se faz necessário subverter a lógica binária que aí está posta.


Indicação de filme sobre o tema:

A garota dinamarquesa

É um filme teuto-belgo-nipo-dano-britano-estadunidense de 2015, dos gêneros drama biográfico e ficção histórica, dirigido por Tom Hooper, com roteiro de Lucinda Coxon baseado no romance The Danish Girl, de David Ebershoff e inspirado na vida das pintoras dinamarquesas Lili Elbe e Gerda Wegener.

O filme é protagonizado pelo ator Eddie Redmayne, que interpreta a personagem Lili Elbe, a qual, na vida real, foi uma das primeiras pessoas transgênero a se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual. Outra estrela do filme é a atriz Alicia Vikander como Gerda Wegener.

Fonte: Wikipedia.

Os vencedores do Oscar® Eddie RedMayne e Alicia Vikander estrelam essa marcante história de amor inspirada por fatos reais, dirigidos pelo também vencedor do Oscar® Tom Hooper. Quando Gerda (Vikander) pede ao seu marido Einar Wegener (RedMayne) que trabalhe como modelo, os seus sentimentos por muito tempo reprimidos emergem e ele assume sua personalidade feminina. Embarcando numa jornada para se tornar a mulher que ele tanto deseja ser, Lili Elbe que só é possível por conta do amor incondicional de Gerda. (Título Original - The Danish Girl) - 2015 Focus Features. All Rights Reserved

Fonte: play.google.com


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